quarta-feira, 28 de outubro de 2009

20 anos sem Líbero Miguel

20 anos – Quando olhamos para trás e nos deparamos com o tempo, dizemos: “Nossa, parece que foi ontem, e já se passaram 20 anos!” É, 20 anos se foram, e junto com eles um profissional ímpar, de uma arte magnífica, onde poucos sabem reconhecer o seu real valor. Estamos falando da arte da Dublagem, ou mais diretamente sobre Líbero Miguel Giachetta.

Paulista, nascido aos 26 de Setembro de 1932, ao que tudo indica sempre teve a veia artística muito fluente em sua vida. Sites como a Wikipédia, creditam a ele a atuação em produções cinematográficas como “O Pequeno Lorde” (1957), a direção de Telenovelas como “As Grandes Esperanças” (1961) e filmes como “Os Insaciados”, de 1981. Sua participação em rádio também é fato consumado. Seus trabalhos mais conhecidos são os mais recentes, já em Dublagem, devido à disseminação do conhecimento por diversas mídias ao longo dos anos. Antigamente, era difícil saber algo sobre uma pessoa da qual você era fã, fato esse que mudou completamente com a chegada (talvez a palavra correta seja “propagação”) da Internet ao mundo. Ficava-se a mercê de revistas ou programas de rádio, e até mesmo televisão, mas o alcance dessas mídias era relativamente baixo, devido à grande diferença econômica entre as pessoas. Desse modo, pode se ouvir sua voz em alguns personagens de programas conhecidos de longa data do público brasileiro, como é o caso do desenho animado do Pica Pau, que estreou no Brasil pela Record, passou pelo SBT e Globo, voltando à primeira casa e sendo exibido diariamente nos fins de tarde da emissora.


E foi justamente na Dublagem que o seu trabalho se difundiu de forma mais ampla, graças ao espaço que essa arte promissora vinha alcançando. Ele acompanhou essa evolução desde o começo, participou de vários estúdios pioneiros, como a Gravasom e a lendária AIC – Arte Industrial Cinematográfica – São Paulo, fazendo trabalhos notáveis ao lado de outros profissionais, que certamente serão pauta no futuro. Nos anos 80, Líbero foi o Coordenador Artístico da empresa Álamo, em São Paulo, criada pelo Inglês Michael Stoll. Foi nesse período que me deparei pela primeira vez com seu trabalho.

Um pouco da história...

Desde 1985, Líbero dirigia o estúdio e tinha colegas que o acompanhavam/ auxiliavam na direção de dublagem de várias séries e filmes, dentre eles Mário Jorge Montini. Uma recém fundada distribuidora de São Paulo, de nome Everest Vídeo, que vinha de uma vídeo-locadora chamada Golden Fox no bairro da Liberdade, acabara de importar dois seriados "Live Action" (com atores reais, que no seu país de origem recebe o nome de “Tokusatsu”) e um desenho animado japonês (conhecido como “Anime”), fechando com a Álamo um contrato para a tradução e dublagem desses seriados. Toshihiko Egashira e Wilson Katakura eram os empresários por trás dessa façanha. Esses seriados eram:

O Fantástico Jaspion

Esquadrão Relâmpago Changeman

Comando Triplo Dolbuck

Sobre o trabalho realizado com essas séries, apenas uma data é confirmada com exatidão até o momento. Então, no dia 17/09/86, o primeiro começou a ser dublado. Com a demanda crescente de trabalho no estúdio, Mário Jorge resolve convidar de volta à empresa Gilberto Baroli, que já havia trabalhado por lá, mas estava em outro estúdio na época, para auxiliar na direção e consequentemente voltar a dublar na casa. Assim, Nair Silva, esposa do Líbero também se juntou ao time. Foi com esses quatro grandes nomes que tudo começou, numa arte que viria a me fascinar até hoje.

Dividindo a direção das séries, o quarteto acabou dublando personagens chave nos seriados, dando uma interpretação esplêndida, e fazendo história. As séries começaram a ser dubladas sem muita expectativa, pois apenas um lote inicial de 16 capítulos seria concretizado, aguardando um retorno sobre a aprovação do público alvo para a continuação do trabalho. Nesse pequeno hiato, Mário Jorge desligou-se da empresa. Em 1988, as séries caíram no agrado das crianças e estouraram. Um estilo de produção que não era inédito no país, pois em outras épocas, seriados do mesmo tipo fizeram sucesso por aqui, como é o caso de Ultraman e A Princesa e o Cavaleiro. As Fitas VHS vendiam muito, e a distribuidora conseguiu firmar um contrato com a emissora carioca Rede Manchete, colocando as séries no ar diariamente, transformando os heróis em sucesso nacional. Assim, mais do que depressa, a continuação da dublagem foi solicitada. Infelizmente, não é sabido quanto tempo se passou desde a dublagem inicial até a dublagem final dos episódios. Por consequencia, tivemos algumas alterações de vozes nos elencos principais das séries, mas nada que prejudicasse a qualidade e o resultado final do trabalho. As mais perceptíveis foram:

Em Jaspion, Denise Simonetto dublava uma protagonista, e foi substituída por Cecília Lemes; Benjamim Filho, que dividia as narrações com Francisco Borges havia saído do ramo, deixando a cargo do segundo a narração total; e Ricardo Medrado assumiu o personagem até então dublado pelo Borges.
Em Changeman, tivemos a saída do Paulo Ivo, que dublava o protagonista da série, dando lugar novamente à Ricardo Medrado; além do Mário Jorge, que dublava uma vilã e foi substituído à altura por Borges de Barros (e em um arco de 4 capítulos pelo próprio Líbero).

As séries foram veiculadas a exaustão na grade da emissora dos Bloch, levando a distribuidora, satisfeita com o retorno financeiro, à importar mais um programa: Comando Estelar Flashman, no início de 1989. Nessa parte da história, o quarteto de sucesso se formava novamente: Carlos Alberto Amaral integra o time de diretores da casa, assumindo as narrações de todas as séries que ali foram dubladas a partir desse momento. A nova série foi comandada pelo Líbero em pessoa, do começo ao fim, sendo até hoje tida por muitos fãs como a melhor dublagem de um seriado tokusatsu. Talentosos iniciantes juntaram suas interpretações com gigantes oriundos do rádio, formando um elenco invejável e impecável. Desta vez, Líbero deu vida ao vilão maior, o Patriarca Monarca La Deus.


Como o sucesso do gênero não dava sinais de queda, e o nicho de mercado era promissor, outros licenciadores entraram na jogada, como foi o caso da Top Tape, do proprietário José Rozemblits. Assim, no final de 1989, aterrissou em terras tupiniquins a série Jiraiya, O Incrível Ninja. Mais uma vez, o estúdio escolhido pra fazer a Versão Brasileira foi a Álamo. Novos talentos que surgiram no seriado anterior, fazendo apenas pequenas participações e vozeirios, desta vez chegam ao papel de protagonistas. Da mesma forma brilhante, Líbero Miguel assumiu a direção e a voz do vilão Oninin Dokusai, dando continuidade ao trabalho categórico.

Após 16 capítulos finalizados, o inesperável aconteceu: Líbero sofreu o rompimento de um aneurisma cerebral e acabou falecendo, aos 57 anos, no dia 28/10/1989, no auge de sua carreira, se é que assim podemos dizer, pois sua passagem, por onde quer que seja, sempre alcançou o clímax. Um choque para os amigos e uma perda irreparável para a arte brasileira. Houve uma pausa inevitável na dublagem da série. A partir do capítulo seguinte, o personagem que havia recebido a voz de Líbero, acabou ganhando uma nova interpretação, por Gilberto Baroli. Assim, Nair Silva, a viúva de Líbero, assumiu a direção da série e ficou como Coordenadora da casa até 1996, dirigindo, dublando, escalando e administrando as produções internas.

Dono de um timbre de voz meio rouco - porém marcante - com personalidade em suas palavras, imortalizou sua voz em alguns personagens como o vilão principal do seriado Jaspion, o Satãn Goss. Em Changeman, interpretou os mais hilários personagens, desde um descolado monstro cantor de ópera, até um monstro frio e calculista que possuía um cérebro eletrônico. A voz dele se encaixava com facilidade nos personagens, e ao mesmo tempo se escondia bem nas “Dobras”, ação que às vezes era necessária ser feita, dublando mais de um personagem num determinado filme ou num capítulo de uma série. Termina aqui a breve participação de Líbero Miguel em minha vida.

Há dois anos busco informações em todo lugar e com todas as pessoas disponíveis que tiveram algum tipo de contato com esse profissional. Pouco se sabe, e poucos se manifestam, mas o suficiente para eu formar uma opinião concreta sobre sua personalidade. Embora aparentasse ser (e até certo ponto realmente era) uma pessoa extremamente fechada, possuía um talento externo cativante. É unânime, não há quem não use os mais agradáveis adjetivos para descrever o que ele foi. Uma pessoa a frente do seu tempo, com tato e percepção aguçados ao extremo quando o assunto era a qualidade na arte. Sempre enxergava a habilidade alheia, dando chance aos iniciantes e mesclando a juventude destes com o talento e a experiência dos veteranos. Abaixo, algumas das opiniões sobre suas “Crias”, nome que carinhosamente Nair costuma usar para os profissionais que começaram com eles e se firmaram habilmente no ramo:


“Quando eu precisei aprender, Líbero foi meu professor; quando eu precisei trabalhar, ele foi meu amigo.”
Gilberto Baroli

“O Líbero, além de grande profissional, era um figura humana como poucos, e se divertia muito conosco durante as gravações. Formávamos um grupo tão divertido de se trabalhar, que caímos nas graças até do Seu Michael Stoll, o lendário dono da Álamo.”
Francisco Brêtas

“O Libero, na minha opinião foi o maior e melhor diretor de dublagem no Brasil! Era uma pessoa maravilhosa pra trabalhar. Muito profissional e sempre lembrava a gente do sentimento nos momentos certos. A perda dele foi minha, de vocês, da arte em São Paulo.”
Lúcia Helena Azevedo

“Se existe alguém importante para a dublagem no país, esses nomes são Líbero Miguel e Nair Silva. O Líbero, junto com a Nair, foram meus grandes mestres. Ele começou na época que Rádio e TV eram novidades por aqui. Foi um pioneiro e deixou um legado muito importante. Tudo que sei hoje de interpretação Retórica e de Improviso, devo a ele. Líbero me ensinou a ser ator. Ele foi um dos maiores atores e intelectuais do Brasil.”
Carlos Alberto Amaral

“... e meu eterno agradecimento aos mais antigos, aqueles que serviram de exemplo quando eu comecei... e como dívida profissional, pessoal e humana, sem dúvida, Líbero Miguel, inesquecível mestre e amigo.”
Nelson Machado

“Trabalhar com o Líbero era um xodó... era um dos melhores diretores que tínhamos na dublagem. Aliás, eu fiz meu primeiro trabalho na dublagem com ele... foi ele que me indicou pro Sr. Michael, dono da Álamo, e fui aprovado por eles no teste e nunca mais parei.”
Figueira Junior

“É muito difícil falar sobre o Líbero. Como você disse, uma pessoa à frente de seu tempo, uma pessoa inovadora, sempre tendo idéias, muito bem informado, ou como se diz hoje, antenado com tudo. Na profissão então, nem se fala. Quando ele saía da direção e atuava na dublagem, era admirado, pois sempre criava alguma coisa, melhorava o trabalho.”
Benjamim Filho

Ouça um trecho da voz de Líbero Miguel, dialogando com a personagem de Nair Silva, no seriado Changeman:



Basta aguardar alguns instantes que o trecho começa a ser reproduzido automaticamente.

Fica aqui registrado uma singela homenagem a uma pessoa que, embora eu não tenha conhecido pessoalmente, fez e continua fazendo parte da minha vida e de tantos outros fãs. Tudo o que escrevi acima foi o que consegui apurar nesse tempo, e é óbvio que pode conter alguma informação que não relate 100% a verdade, por maior cuidado que eu tenha tido ao pesquisar e escrever.

Comentários, adição de informações, correções, elogios, críticas e qualquer coisa do tipo são EXTREMAMENTE bem vindas.