segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Conversa com Christina Rodrigues


Há exatos dois anos,  em julho de 2.011, aconteceu uma coisa diferente e inesperada na minha vida: junto com meu amigo Vitor Souza, tivemos o grande prazer de conhecer pessoalmente e almoçar com a Christina Rodrigues. Não há necessidade de apresentações, já que é uma atriz muito conhecida pelo público que acompanha dublagens, seja de séries, filmes, animes ou séries japonesas.

Foi um bate papo muito interessante, onde ela contou muita coisa que acompanhou em mais de 20 anos de carreira só na dublagem. Pra mim, que até então só a conhecia através da TV, foi um sentimento difícil de descrever, o de estar ali, ao lado dela, ouvindo aquela voz que há anos eu acompanho, falando diretamente comigo. Uma mistura de mágico com inacreditável.

Em momento nenhum soou como entrevista, até porque não havia papel, caneta, e muito menos pesquisa (fiquei sabendo que nos conheceríamos na sexta à noite, e nos encontramos no domingo). Aconteceu que, ao chegar em casa, sentei em frente ao micro e transcrevi a conversa, puxando pela memória tudo o que lembrava, e, respeitando o máximo da oralidade, criei este texto, e pedi autorização à ela para publicar para os inúmeros fãs da dublagem, e especialmente do seu trabalho, uma vez que falamos sobre vários assuntos legais. Sem mais delongas, segue o resultado do bate papo:


Quando você começou a carreira na dublagem? É possível lembrar o ano, quem foi o diretor, o estúdio e o personagem? 

Foi em 1985, na Álamo. Eu tinha ido até a empresa “me dublar” em um filme que fiz chamado Asa Branca – Um Sonho Brasileiro, cujo tema era futebol e contava com o Edson Celulari e a Ewa Wilma no elenco. Fiz o trabalho, sob a direção do Orlando Viggiani, e fui embora. Algum tempo depois, voltei no estúdio para gravar uma rádio-novela do Carlos Alberto Soffredini, e o Líbero Miguel, Coordenador Artístico na época, após as gravações, veio até mim e disse que achava que eu levava jeito para a dublagem. Perguntou se eu não queria ficar até depois do almoço (quando a área técnica voltava ao trabalho) pra fazer um teste. Neste intervalo, fiquei por lá e inclusive conheci o sr. Michael Stoll. Depois do almoço, gravei, contracenando com a Nair Silva, e saí. Algum tempo depois, no meu primeiro dia de trabalho como Administradora Executiva, dentro de uma empresa que fazia a produção de cenários (pertencente ao sr. Cyro Del Nero), recebo uma ligação do sr. Jacinto, que tomava conta do Depto. Financeiro da Álamo, dizendo que o proprietário queria que eu fosse trabalhar para ele, que me pagaria tanto, etc. Como havia começado a trabalhar naquela ocasião, agradeci e descartei a proposta. Passaram-se alguns minutos, e o telefone tocou novamente. De novo o Sr. Jacinto, insistindo. Repeti a minha posição, até porque o salário era bem mais baixo. O Sr. Cyro, cuja sala ficava ao lado, veio até mim e tocou no assunto, pois tinha ouvido a conversa, e nisso, outra vez o telefone tocou. Pela terceira vez, recusei, mas ouvi que “o seu Michael não estava acostumado a receber não como resposta", e que insistia que me queria como funcionária. Mantive minha posição. Então meu patrão, que conhecia o dono da Álamo - uma pessoa extremamente respeitada - me falou que se o Sr. Stoll achava que eu deveria trabalhar pra ele, que era melhor eu repensar, pois ele tinha um feeling gigantesco, e que poderia ser bom pra mim. Mesmo assim resisti e não fui. Passou um tempo e sofri um pequeno acidente, torcendo meu tornozelo. Depois, na rua, uma mulher com um carrinho de bebê passou por cima do meu pé, piorando a situação. Assim, fiquei impossibilitada de desempenhar meu ofício, e indiquei outra pessoa para o trabalho, e me afastei para me cuidar. Cerca de seis meses haviam se passado, eu já tinha me recuperado, e acabei lembrando da dublagem, e fui procurar a empresa. Desta vez, o seu Michael foi categórico, e disse que a proposta tinha sido aquela vez, e que agora, eu teria que passar por um estágio com o Líbero, e ele analisaria se eu estava apta ou não para trabalhar. Eu fui, me dediquei, ele me aprovou, e estou até hoje.

  
Como foi a época das séries japonesas “Tokusatsu”, iniciada em 1986 e finalizada em 1995? Havia testes para os personagens fixos ou simplesmente a escalação, baseado no conhecimento que o diretor tinha da capacidade de cada ator?

Foi exatamente aí que comecei. Depois de alguns meses de estágio somente assistindo dublagem, o Líbero achou que eu estava pronta e me escalou para algumas pontinhas no Jaspion e Changeman. Em seguida veio o Flashman, e ele já me colocou no meu primeiro papel fixo, a Lú/ Pink Flash. Depois fiz o Zillion. Até o final de 1989, o Coordenador era o Líbero, então ele decidia sobre as escalas. Ele sabia da capacidade e do talento de todos que ali trabalhavam, inclusive quando era hora de dar uma chance para algum iniciante. Foi uma época marcante, onde muita gente boa que ainda está por aí começou. No Flashman mesmo, eu e o Francisco Brêtas estávamos debutando, ao lado do Eduardo Camarão, Carlos Laranjeira e a Lucia Helena, que já dublavam há algum tempo.


Depois do sucesso como Pink Flash, vieram outros personagens eternizados pela sua voz, na sequência: várias pontas em Jiraiya, Machineman, Google V e Sharivan; Kênon em Jiban e Máya em Metalder; recorda-se da Kênon e da Maya?

Lembro que fizemos sim bastante coisa nesses seriados japoneses. Tinha muitas pontas, e personagens de um só capítulo, mas é claro que me recordo da Maya e da Kênon. Inclusive tem um fato curioso: Há algumas semanas (Nota: lembrando que esta conversa aconteceu há dois anos), a Dubrasil recebeu os dois últimos capítulos de Jiban pra dublar, pois parece que não foi feito na época, e me chamaram pra fazer a personagem novamente, 20 anos depois. Foi legal relembrar essa época, pois eu e a Alessandra Araújo gravávamos nossa participação junto com o saudoso João Paulo Ramalho. Minha voz mudou um pouco, ficou mais aguda porque parei de fumar, mas acho que vai ficar legal. Pena que eram apenas duas falas.

 
Você se lembra de algum fato curioso dos bastidores na época das gravações?

Sou péssima de memória, não consigo guardar muitos detalhes, e tudo acontecia com muita naturalidade. Ficávamos praticamente o dia todo dentro do estúdio, pois tinha muito trabalho. Assim, dava pra conhecer bem os colegas. Muita coisa legal e chata aconteceu dentro daquele prédio da Álamo. Mas é assim na vida da gente, nem tudo são coisas boas, mas são recordações. Lembro que o Líbero, na época do Flashman, costumava chamar o elenco para ir até um barzinho ali perto tomar umas cervejas e comer uns petiscos. Eu tinha outros compromissos e não dava pra ir, mas no dia seguinte, todos comentavam que tinha sido muito divertido.


Fale um pouco sobre Líbero Miguel e Carlos Laranjeira, profissionais brilhantes e que participavam frequentemente dos seriados, e que protagonizaram personagens ímpares durante suas carreiras.

Líbero era um dublador e diretor esplêndido. Rígido, mas sabia ser coerente com suas decisões e tomava conta com muito carinho de tudo o que dizia respeito ao seu trabalho. Sempre. Pena que faleceu cedo. Já o Laranjeira, era um rapaz lindo, sempre bronzeado (pois era de Santos), com olhos claros e um cabelo maravilhoso. Dublava como um anjo. Tinha uma voz doce, e era um gentleman. Cantava também. Fazia o seu trabalho da melhor forma possível e não gostava de ficar se intrometendo na vida alheia. Lembro que ele tinha uma mania: quando dublávamos juntos na bancada, ficava mexendo no meu dedo mindinho, dobrando-o o tempo todo. Tenho saudades dele.

E desde que começou a dublar você nunca parou? Nem desempenhou algum outro trabalho paralelo à arte?

No finzinho de 1990/ comecinho de 1991, eu parei por um tempo. Acho que foi logo que terminei o Metalder. Estava enjoada com alguns acontecimentos na minha vida e desanimei. Na verdade, também sou Astróloga, e sempre adorei isso. Nessa época, me dediquei a este trabalho, e atendia em casa, onde consegui uma clientela grande e fiel. Não queria nem mais ouvir falar em dublagem. Lá pelo começo de 1994, a Lucia Helena – cujo contato nunca perdemos - dublava bastante na Megassom, e começou a insistir para eu voltar a dublar, que achava que tinha espaço pra mim, e devagarzinho ela me seduziu. Fui gravar uma coisa aqui, outra ali, mas sem compromisso. E desta forma, continuava atendendo meus clientes. Gradativamente ia pintando mais e mais escalas, e quando vi, sem perceber, já estava de volta, só que meus clientes não queriam que eu os deixasse, e eu não conseguia conciliar as duas coisas, infelizmente. Tive que parar de consultar. Daí pra frente, só dublagem.


E sobre a Gota Mágica e a época dos Animes? Você fez trabalhos marcantes como a Sailor Marte e a Bulma. Fale um pouco sobre esse período. 

Essa época foi meio conturbada, pois houve uma grande greve no Rio e em SP. Depois que acabou, muita gente teve dificuldades para voltar ao trabalho, já que tudo ficou meio parado. Aos poucos o trabalho foi reaparecendo, e acabei tendo a oportunidade de dublar esses animes quando o Mario Lucio saiu da Marshmellow para montar a Gota Mágica, e encarregou o Gilberto Baroli com a direção das séries. Tive a honra de fazer a Raye/ Sailor Mars e a Bulma, mas confesso que nunca consegui acompanhar as séries depois de prontas. Lembro que era muito legal de fazer, o Dragon Ball eu gravava junto com a Noeli Santisteban (Goku) e nos divertíamos muito. Pra você ter uma idéia, uma vez, já perto dos anos 2.000, zapeando, eu achei um canal que estava passando o Dragon Ball. Pensei: “que legal, vou poder ver como ficou.” Eis que começa o anime e... não era minha voz. Era a Tânia Gaidarji. Estranhei, não entendi, mas tudo bem. Só um tempo depois que eu a encontrei na Centauro, e ela disse que estava fazendo na Álamo, e que não sabia que eu já tinha feito a personagem. Fato parecido aconteceu com a Sailor Moon R, na BKS.


E em nenhum dos dois casos você foi sequer contatada pra voltar nas personagens? 

Não. Nem sabia que tinha anime novo sendo dublado em SP. Depois que começou a passar, é que fui saber de tudo isso. E na época, eu não tinha Orkut nem nada, e uma amiga me disse que existia uma “Comunidade” em minha homenagem lá. Fiquei sem entender muito e não fui atrás de início. Depois de um tempo, entrei, sem ter muita noção do que estava fazendo. Vi e gostei. Criei um perfil e fui agradecer aos fãs, e de uma hora pra outra, eles começaram a entrar em contato comigo, falando sobre os meus trabalhos, e, na medida do possível, fui dando feed-back. Pelo mesmo motivo entrei no Facebook, e quando tenho tempo, acompanho o que acontece por lá. Surgiram entrevistas e matérias em revistas sobre a dublagem nesse período. Foi uma pena não terem feito sequer uma pesquisa a respeito do que já havia sido feito, até porque o Baroli sempre foi acessível e deveria se lembrar, mas respeito os novos profissionais. Inclusive, há algum tempo, fiquei sabendo que houve um site que proporcionou uma votação sobre as vozes das Sailors, não? Mas não acho que não deu em nada. (Nota: foi o portal SOS Sailor Moon Project, mas foi apenas uma pesquisa para tentar mostrar para a TOEI e seus representantes a importância da série no país, e quais vozes os fãs prefeririam numa eventual redublagem. A voz da Christina foi escolhida pelos fãs como a melhor para a Raye).


E sua formação? Fez Teatro? 

Formei-me na Escola de Arte Dramática da ECA/ USP, e inclusive o Flavio Dias era da minha turma. Dentre tantas peças, fiz uma de nome Chapéu, Chapelão & Cia., e fui premiada por ela. Mas houve um equívoco por parte da produção, e outra moça do elenco - que tinha o mesmo sobrenome - levou o prêmio, e não quiseram fazer a retratação. Isso foi há bastante tempo, e depois fiz inúmeras coisas, viajei muito, enfim. Creio que a última peça que fiz foi uma do Flavio e do Paulo Guarnieri. Depois desisti de fazer teatro. Encerrei este ciclo da minha vida. Fico só com a dublagem mesmo, que é o que eu amo. 
 
O que tem feito atualmente? Seja na dublagem, direção ou outros projetos? 

Tenho dublado bastante, e dei uma parada com a direção. Sou muito focada e dedicada quando pego alguma obra pra dirigir, e me envolvo demais, o que gera um cansaço muito grande. Dirigi por um bom tempo na Centauro, em seguida na Lexx, e depois, até cerca de um ano atrás, na Sigma. Já dublar, isso eu faço em muitos estúdios. Uma das coisas que gostei de fazer é o Lie to Me. Faço também a Candice Olson em dois programas, o Design Divino (na Vox Mundi) e O Estilo de Candice (na DPN). Ambos passam na Discovery Home & Health, em vários capítulos diários. Fiz uma série chamada Dance Moms (exibida no canal BIO) e S.O.S Babá, junto da Gessy Fonseca e Alna Ferreira, que vai ao ar pelo Viva. Adoro trabalhar com a voz.

 
Sou eternamente grato a esta pessoa extremamente atenciosa e gentil que é a Christina, e também ao amigo "Vitinho", que fotografou e foi peça importante no decorrer da conversa, com seus conhecimentos. Desejo-lhes sucesso, sempre.